Salve, salve, turm@ que interage no blog Diário Virtual de Leitura!
A pergunta que abre a nossa postagem de hoje é bem intrigante, não acham? Há muito a sociedade busca essa resposta e a talvez a resposta esteja bem perto do homem. E foi pensando nisso que trouxemos hoje um texto que sucinta muitas reflexões, há tempos esta autora não dava o ar da graça aqui em nosso espaço virtual. Alguém arrisca dizer que é?
Bem, estamos falando de Lya Luft, escritora, tradutora, colunista mensal da revista Veja e professora brasileira aposentada da UFRGS e que por sinal faz aniversário hoje. Olha que maneira bacana de homenageá-la duplamente: pelo seu aniversário e pela intensidade do texto, escrito há um bom tempo, mas que atravessa os anos com a atualidade que a reflexão sugere.
Mas vou deixar de alongar a postagem e vamos ao que interessa: o deleite da leitura, é claro! Porém mais um tantinho de prosa. Não deixe de responder a questão inicial do texto e suas impressões de leitura nos comentários, ok?
Boa reflexão a tod@s!
Falta alegria em nossas vidas
Meu Deus, como andamos chatos, dei-me conta outro
dia. Não paramos de reclamar. Muitas vezes com razão: os impostos, o custo de
vida, o desemprego, a violência, a prolongada adolescência dos filhos, a súbita
falsidade de alguém em quem confiávamos tanto, a velhice complicada dos pais, a
pouca autoridade das autoridades, a nossa própria indecisão.
As rápidas mudanças na sociedade, alguns ainda
tentando arrastar o cadáver dos valores que precisam ser mudados, outros
tentando impor a anarquia quando a gente devia era renovar, não bagunçar.
Pensei que uma das coisas que andam ficando raras é a alegria, e comentei isso.
Alguém arqueou uma sobrancelha: — Alegria? A palavra está até com cheiro de
mofo...Tanta coisa grave acontecendo, tanta tragédia, e você fala em alegria?
Pois comecei a me entusiasmar com a ideia, e
provocativamente fui contando nos dedos os motivos que deveriam levar a que o
grupo se alegrasse: a lareira crepitava na noite fria, uma amizade generosa
circulava entre nós, três bebês dormiam ali perto, na sala ao lado, ouviam-se
risadas e, apesar de sermos na pequena roda mais ou menos calejados pelas
perdas da vida, tínhamos os nossos ganhos em experiência, amores, conhecimento,
esperança. Nenhum de nós desistira da jornada. Nenhum de nós era um malfeitor,
um ser humano desprezível, ao contrário: a gente estava na luta, tentando ser
decente, tentando superar os próprios limites.
Havia marcas da passagem do tempo em todos os
rostos: ninguém se fizera deformar pelo fanatismo da juventude eterna, mas
todos se gostavam o suficiente para não se deixar cair feito um trapo velho.
Olhei em torno e gostei de nós: ali se viam belos cabelos pintados e belos
cabelos brancos, rostos interessantes que tinham visto muita coisa, bocas marcadas
que haviam dado muitas risadas e pronunciado palavras amorosas, mas também
falado coisas duras, silenciado quem sabe ternuras difíceis, ocultado queixas que
deveriam ter sido lançadas.
Mãos que tinham segurado bebês, conduzido crianças,
confortado adolescentes, cuidado de velhos doentes, fechado pálpebras, dirigido
automóveis, segurado ombros, fendido ondas, tapado o rosto em pranto solitário—
quantas vezes ?
Éramos
tão humanos, tão desvalidos e tão guerreiros, o pequeno grupo de amigos diante
de uma lareira na noite fria, como centenas, milhares de outros, homens, mulheres,
crianças, entre os dois mistérios do nascer e do morrer. Repeti a minha pequena
heresia: — Eu acho que uma das coisas que andam faltando, além de emprego,
decência e tanta coisa mais, é alegria. A gente se diverte pouco. Andamos com
pouco bom humor.
Érico Veríssimo, velho amigo amado, uma de minhas
mais duras perdas, me disse quando eu era muito jovem: “Lya, em certos
momentos, o que nos salva nem é o amor, é o humor”.
Um riso bom ou um sorriso terno em meio a toda a
crueldade, falsidade, hipocrisia, violência de acusações abjetas, de calúnias
vis, de corrupção escandalosa, de desagregação familiar melancólica, de mentira
secreta e venenosa pode nos confortar e devolver a esperança.
Lya Luft. Revista Veja. Editora Abril, 28 de julho de 2004.