9 de julho de 2014

Perder, ganhar e viver...



Saudações, querid@s torcedores brasileiros que acompanham o blog Diário Virtual de Leitura!
A postagem de hoje traz a carga de emoção vivida nos últimos dias em nosso país. A emoção refere-se a derrota do time brasileiro na partida da semifinal contra a Alemanha com um placar absurdamente inexplicável, por isso não existirá texto melhor para traduzir o sentimento de tod@s os brasileiros nesse momento do que a crônica que  Drummond escreveu para o Jornal do Brasil logo após a eliminação da seleção brasileira diante da Itália na Copa do Mundo da Espanha, em 1982.
Nada mais atual e oportuno o lirismo de nosso maior poeta para enaltecer a vida como a maior dádiva do ser humano, muito além de uma derrota em semifinal de Copa do Mundo em nosso próprio país.  
Vamos ao texto e a reflexão em forma de pergunta feita no fim do texto.


Perder, ganhar, viver

Vi gente chorando na rua, quando o juiz apitou o final do jogo perdido; vi homens e mulheres pisando com ódio os plásticos verde-amarelos que até minutos antes eram sagrados; vi bêbados inconsoláveis que já não sabiam por que não achavam consolo na bebida; vi rapazes e moças festejando a derrota para não deixarem de festejar qualquer coisa, pois seus corações estavam programados para a alegria; vi o técnico incansável e teimoso da Seleção xingado de bandido e queimado vivo sob a aparência de um boneco, enquanto o jogador que errara muitas vezes ao chutar em gol era declarado o último dos traidores da pátria; vi a notícia do suicida do Ceará e dos mortos do coração por motivo do fracasso esportivo; vi a dor dissolvida em uísque escocês da classe média alta e o surdo clamor de desespero dos pequeninos, pela mesma causa; vi o garotão mudar o gênero das palavras, acusando a mina de pé-frio; vi a decepção controlada do presidente, que se preparava, como torcedor número um do país, para viver o seu grande momento de euforia pessoal e nacional, depois de curtir tantas desilusões de governo; vi os candidatos do partido da situação aturdidos por um malogro que lhes roubava um trunfo poderoso para a campanha eleitoral; vi as oposições divididas, unificadas na mesma perplexidade diante da catástrofe que levará talvez o povo a se desencantar de tudo, inclusive das eleições; vi a aflição dos produtores e vendedores de bandeirinhas, flâmulas e símbolos diversos do esperado e exigido título de campeões do mundo pela quarta vez, e já agora destinados à ironia do lixo; vi a tristeza dos varredores da limpeza pública e dos faxineiros de edifícios, removendo os destroços da esperança; vi tanta coisa, senti tanta coisa nas almas...
Chego à conclusão de que a derrota, para a qual nunca estamos preparados, de tanto não a desejarmos nem a admitirmos previamente, é afinal instrumento de renovação da vida. Tanto quanto a vitória estabelece o jogo dialético que constitui o próprio modo de estar no mundo. Se uma sucessão de derrotas é arrasadora, também a sucessão constante de vitórias traz consigo o germe de apodrecimento das vontades, a languidez dos estados pós-voluptuosos, que inutiliza o indivíduo e a comunidade atuantes. Perder implica remoção de detritos: começar de novo.
Certamente, fizemos tudo para ganhar esta caprichosa Copa do Mundo. Mas será suficiente fazer tudo, e exigir da sorte um resultado infalível? Não é mais sensato atribuir ao acaso, ao imponderável, até mesmo ao absurdo, um poder de transformação das coisas, capaz de anular os cálculos mais científicos? Se a Seleção fosse à Espanha, terra de castelos míticos, apenas para pegar o caneco e trazê-lo na mala, como propriedade exclusiva e inalienável do Brasil, que mérito haveria nisso? Na realidade, nós fomos lá pelo gosto do incerto, do difícil, da fantasia e do risco, e não para recolher um objeto roubado. A verdade é que não voltamos de mãos vazias porque não trouxemos a taça. Trouxemos alguma coisa boa e palpável, conquista do espírito de competição. Suplantamos quatro seleções igualmente ambiciosas e perdemos para a quinta. A Itália não tinha obrigação de perder para o nosso gênio futebolístico. Em peleja de igual para igual, a sorte não nos contemplou. Paciência, não vamos transformar em desastre nacional o que foi apenas uma experiência, como tantas outras, da volubilidade das coisas.
Perdendo, após o emocionalismo das lágrimas, readquirimos ou adquirimos, na maioria das cabeças, o senso da moderação, do real contraditório, mas rico de possibilidades, a verdadeira dimensão da vida. Não somos invencíveis. Também não somos uns pobres diabos que jamais atingirão a grandeza, este valor tão relativo, com tendência a evaporar-se. Eu gostaria de passar a mão na cabeça de Telê Santana e de seus jogadores, reservas e reservas de reservas, como Roberto Dinamite, o viajante não utilizado, e dizer-lhes, com esse gesto, o que em palavras seria enfático e meio bobo. Mas o gesto vale por tudo, e bem o compreendemos em sua doçura solidária. Ora, o Telê! Ora, os atletas! Ora, a sorte! A Copa do Mundo de 82 acabou para nós, mas o mundo não acabou. Nem o Brasil, com suas dores e bens. E há um lindo sol lá fora, o sol de nós todos.
E agora, amigos torcedores, que tal a gente começar a trabalhar, que o ano já está na segunda metade?
 
                                                Carlos Drummond de Andrade, Jornal do Brasil, 21 de junho de 1982

2 comentários:

  1. Lindo, as palavras sábias descritas nesse texto descrevem o que, considero, é o sentimento de muitos atualmente. Apesar de ser escrito em outro momento na história, ainda descreve perfeitamente a sensação de tristeza de que muitos sentem e não tiram proveito para refletir. Na verdade concordo com cada letra do poeta, pois a vitória constante provoca nada menos que uma segurança artificial, enquanto a derrota tem o real poder de nos ensinar lições para a vida toda, de nos fazer sair do comodismo de posturas e hábitos inadequados, arraigados pelos ganhos. E como diz o poeta "há um lindo sol lá fora", vamos construir o final dessa história com brilhantismo, pois o que vale a pena é ser feliz apesar das circunstâncias.

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  2. Poema magnífico que descreve exatamente as emoções que os brasileiros sentiram nas duas derrotas seguidas no mundial, porém o povo brasileiro tem que perceber que muitas vezes iremos nos deparar com derrotas, mas que elas serão essenciais para seguir o caminho da vitória.

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